Esta frase me marcou desde a primeira vez que a li quando participei, há alguns anos, do curso de voluntários da Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenados) de Lagoa da Prata. Julgar o passado de pessoas que um dia foram como nós, ou melhor, às vezes melhores do que nós, é muito fácil. O difícil é compreender e abraçar a causa que as levaram a se desviar do caminho, cometer crimes e causar tanto sofrimento às famílias.
Discriminação? Por quê? Afinal, não sabemos do dia de amanhã. Nossos filhos ainda irão crescer, nossos netos ainda irão nascer... Ninguém esta livre desta triste trajetória que assola milhões de famílias em todo o mundo. Julgamos sem conhecer, falamos sem medo e sem piedade sobre um assunto que está tão longe do coração. Antes de discriminar precisamos conhecer e acolher a grande lição que Jesus nos deixou: “Amai ao próximo como a ti mesmo”.
Que amor medíocre é esse que nos embala na emoção de falar mal e julgar aqueles que, talvez, não tiveram a mesma oportunidade que nós?
Em uma tarde de sábado, me emocionei ao assistir, em canal aberto e em horário de pico, uma grande lição que deveria ser seguida por todos: o sério trabalho desenvolvido pelo Grupo Cultural AfroReggae, que tem como visão “a luta pela transformação social que, através da cultura e da arte, desperta potencialidades artísticas que elevam a auto-estima de jovens das camadas populares”. Eles não se importam com quem são e nem de onde vieram esses jovens, apenas acreditam em um futuro melhor para eles.
Um dos assuntos que mais me chamou a atenção foi sobre a empregabilidade. “Nestes 3 anos completados em fevereiro de 2011, foram 1.904 pessoas inseridas no mercado de trabalho sendo que 855 tiveram alguma ligação direta ou indireta com o mundo do crime e ex-detentos que estão cumprindo liberdade condicional. Todos empregados com carteira assinada e os direitos trabalhistas assegurados. Antes, bandidos, agora cidadãos inseridos no mercado de trabalho formal pelo “Empregabilidade”, através de parcerias com grandes empresas. Instalado no centro do Rio de Janeiro, o escritório do Empregabilidade é coordenado por Norton Guimarães, 52 anos de vida, 30 na criminalidade, 11 preso. “Quando saí da prisão, descobri que a vida aqui fora era muito mais difícil. Queria ter uma vida honesta, mas ninguém me dava oportunidade. Não há emprego para quem quer mudar de vida. Só há preconceito”, lembra ele que está no AfroReggae há quatro anos. Hoje ele trabalha para mudar esta realidade. “Nem sempre foi fácil. Na busca por empresas parceiras, vi as portas se fecharem muitas vezes”.
Este é apenas um dos milhares de exemplos que provam que ainda existem pessoas que acreditam na recuperação do outro.
Que as empresas de Lagoa da Prata possam também seguir este exemplo, dar oportunidade para aqueles que não souberam aproveitar as chances da vida. Que instituições, igrejas e organizações não governamentais possam criar um novo ambiente nos presídios, Apac e fazendas de recuperação de dependentes químicos.
Outro exemplo também exibido pela televisão foi de um time de futebol argentino, “Pioneros”, formado por presidiários e carcereiros. Desde 2009, guardas e detentos dividem o mesmo uniforme do time. “Pelo portão, rumo ao pátio, passam 20 prisioneiros. Os únicos que podem deixar a Unidade 21. Nas mãos, chuteiras e bolas de futebol. No caminho entre as celas e o campo, os jogadores do Club Deportivo Pioneros pensam na próxima vitória. Parece roteiro de filme, mas é dia de jogo para a equipe oficial do Sistema Penitenciário da capital da Argentina. Quando jogam fora de casa, usam escolta policial e viajam no ônibus do presídio. Guardas armados acompanham os movimentos dos jogadores, condenados por delitos como roubo, sequestro e homicídio. As partidas em casa são realizadas em campo oficial, do lado de fora da Unidade 21”.
Jogadores que levaram cartão vermelho da sociedade encontram dentro do presídio uma forma de ser “gente” com direitos e deveres. Isso esta na legislação. A Lei de Execução Penal diz o seguinte:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
Eu finalizo apenas com uma frase que ouvi outro dia: “Um condenado recuperado é menos um bandido na sociedade”, pense nisso.
*Cintia é jornalista e familiar de recuperando